A Mulher Portuguesa
Órgão da Associação de Propaganda Feminista, esta revista tinha por objetivo divulgar os princípios e a prática do feminismo tal como a direção os entendia. Nasceu na sequência do desentendimento nascido no seio da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e que ocasionara a saída de alguns dos seus membros. Entre estes estava Ana de Castro Osório que chamou a si a incumbência de ser a diretora, acompanhada de duas mulheres da sua confiança: Joana de Almeida Nogueira e Albertina de Moura Benício. Sem negar a sua filiação republicana (e até maçónica) acentuou o caráter feminista da publicação, definindo desde o primeiro número o que entendia como tal. O feminismo, longe de pretender substituir a “lendária” superioridade masculina pela exaltação do ser feminino, afirmava-se como um humanismo integral, já que pretendia o equilíbrio entre ambos os sexos e a mútua colaboração de todos os ramos da atividade humana. Daí que ser feminista era ser uma mulher que conquistava o direito a viver do seu trabalho, pela sua inteligência e pela consciência de si própria. Nesta perspetiva, nada separava a mulher do homem e, sendo assim, existia um humanismo que os unia, solidarizando-os num projeto comum superador das diferenças e criador de uma igualdade na vida familiar, civil e política.
A partir destas ideias, em grande parte enunciadas por Émile Faguet na obra Le Féminisme, a revista traçou o caminho a seguir em cada uma destas atividades. Sob o ponto de vista familiar a cooperação seria o lema do relacionamento. Cooperar seria a expressão da igualdade na família, baseando-se no entendimento mútuo para um fim comum, ou seja, no exercício partilhado, e não confundido, da autoridade. Quanto à vida civil, a doutrina expressa fundamentava-se na igualdade de aptidões entre cidadãs e cidadãos. Não haveria distinções essenciais entre eles, já que tanto as mulheres como os homens podiam ser dotados ou adquirir capacidades para os exercer. Com raras exceções, dizia-se, “as mulheres são todas iguais em inteligência a todos os homens”. Portanto, podiam exercer as mesmas funções civis a que os homens tinham acesso. A igualdade civil decorria da igualdade de aptidões e estas não dependiam exclusivamente dos predicados pessoais, mas também da igualdade da educação.
A par e passo a educação era mencionada como fundamental para a mulher não só porque é “criadora” da igualdade entre os sexos, mas também por ser condição da sua dignidade, quer se considerasse a vida familiar, quer se tivesse em conta as relações sociais. A Direção expressava o seu modo de pensar nestas palavras: "O nosso desejo é preparar a mulher portuguesa para ser uma boa profissional (…) uma educadora consciente e ilustrada (…) uma dona de casa de inteligência sã e esclarecida". Efetivava-se deste modo o ideal de humanismo integral, completando-o com a afirmação de que ela só seria verdadeiramente companheira do homem quando partilhasse os interesses deste tanto na família como na Pátria.
Neste contexto o sufragismo ocupava lugar essencial na vida das mulheres. Se não lhes fosse reconhecido o direito de voto não lhes era reconhecida a cidadania nem os respetivos direitos. Em Portugal, na altura, o direito de voto era uma questão da máxima importância, já que se debatia a nova lei eleitoral e era fundamental que ele ali fosse consagrado. Mas não só. A Direção da revista promovendo-o aliava-se a um movimento internacional com expressão na Aliança Internacional de Sufrágio das Mulheres na qual a Associação de Propaganda Feminista se filiou. E, acentuando o seu pendor sufragista, publicou um quadro da autoria de Ferdinand Buisson que elencava os países em que a mulher era eleitora e elegível, por vezes nas mesmas circunstâncias que o homem, e “sem distinção de sexos, raças, línguas ou terras”. Além disso, deu o maior relevo ao facto de ter sido aprovado no Senado um artigo da Lei Eleitoral que consignava: “São também eleitores as mulheres maiores de 25 anos que tenham um curso superior, secundário ou especial”. Até ao último número a revista lutou pelo direito de voto das mulheres, que entendia ser expressão dos seus direitos políticos, maioritariamente defendido por elas, mas que contou com o apoio de homens como Jacinto Nunes, Ezequiel de Campos, Fazenda Júnior, Bernardino Machado, Abílio Barreto, etc., para mencionar apenas alguns que se manifestaram neste sentido.
O voto feminino seria a expressão do feminismo, tal como a Direção de A Mulher Portuguesa o entendia. Colocaria Portugal na sociedade europeia, daria sentido político à educação das mulheres, iria incitá-las a promoverem-se culturalmente, implicaria que fossem construtoras de uma nova sociedade pelo contributo para a respublica, e colocadas ao lado dos homens faria delas também promotoras de progresso. A sociedade do futuro seria o resultado da igual responsabilização de mulheres e homens, de cidadãos e de cidadãs. Neste sentido o contributo do feminismo seria indispensável.
Zília Osório de Castro