Estética e efemeridade

Altitude apresentou-se, nos dois números publicados, em Fevereiro e Abril de 1939, como Boletim literário e artístico, sem programa editorial explícito, mas, antes, como registo e repositório de narrativas, poemas e textos críticos de alguns dos autores que mais viriam a destacar-se no novel movimento neo-realista.

O periódico sediado na residência da família Cochofel cumpriu, assim, o papel de “nossa revista literária” que Jorge Domingues, um dos redactores principais de O Diabo, lhe imputara em carta a Manuel de Azevedo, que secretariava Sol Nascente, no quadro geral de publicações periódicas que concebeu para a geração em que os títulos que cada um coordenava já ocupavam lugar de destaque.

Ao circunscrever-se aos domínios literários e artísticos, Altitude revelou-se uma revista peculiar no contexto da corrente cultural e política que ajudou a afirmar. Por um lado, o discurso doutrinário que caracterizou a novidade veemente do novo humanismo viu-se cingido a referências ínsitas à produção literária, artística e crítica publicada. Por outro lado, as apreciações do foro estético ganharam, nas suas páginas, um relevo invulgar numa época fundamentalmente marcada pelo esforço de firmar as letras socialmente comprometidas a partir do confronto com os autores tidos por formalistas e subjectivistas. Os artigos de António Ramos de Almeida, o futuro autor de A Arte e a Vida, um dos poucos manifestos em livro dos novos autores, ilustram eloquentemente este segundo traço próprio: Almada Negreiros é apresentado como “um grande artista nacional”, Fernando Pessoa é visto igualmente como “grande” e a próprio movimento presencista encarado “como muito mais fecundo do que parece à primeira vista e quem não for cego de sectarismo depressa chegará a compreender porquê”.

Embora tecida por muitos subentendidos e indefinições, a correspondência de Fernando Lopes Graça para João José Cochofel parece indicar, à semelhança daquela que já tivera lugar a propósito dos Cadernos da Juventude, a natureza claramente intencional e compartilhada desta orientação geral, que, aliás, será mais tarde verberada a estes dois intelectuais, por ocasião da polémica entre neo-realistas no início da década de cinquenta.

A especificidade própria de uma revista literária, vulgar nos seus termos, mas incomum entre os seus autores, não deixou, porém, de reunir os escritores mais representativos das novas letras realistas. Joaquim Namorado abriu o periódico com a narrativa caricatural de um casamento de conveniência entre uma aristocrata arruinada e um atávico e próspero grossista, que ilustra a decadência e o infortúnio entre as classes possidentes. Afonso Ribeiro contrastou a miséria, a doença e o sofrimento de um casal de camponeses pobres com a vida dos proprietários abastados, a tal ponto que a possibilidade de a terra deixar de ter dono fica insinuada. Mário Dionísio, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Fernando Namora e Augusto do Santos Abranches publicaram poemas, entre os quais se destaca “Não”, do primeiro destes autores.

A par da produção literária de viés claramente social, o boletim literário e artístico regista, igualmente, poesia e prosa de lirismo romântico e anódino em que o íntimo sofrido de quem os subscreve se dá a conhecer.

Nas suas páginas, encontramos, ainda, a crítica de artes, do cinema à música, em que se inclui o aplauso às primeiras representações de autos de Gil Vicente pelo grupo de Teatro dos Estudantes Universitários de Coimbra.

Embora a feição literária e artística de Altitude possa ter contribuído para a sua efemeridade, pois o afrontamento das escolas literárias e do próprio pensamento social anteriores por parte dos jovens homens de letras desempenhou um papel decisivo na afirmação da sua cultura marxista, é também certo que os escritores que o periódico reuniu em seu torno eram os mesmos que foram chamados a assegurar a edição de Sol Nascente, que Jorge Domingues, na carta já referida, elevou à condição prioritária de “manifesto jornalístico e de divulgação do pensamento filosófico da nova geração”.

A efemeridade de Altitude deve-se muito provavelmente à dificuldade de um conjunto tão escasso de redactores assegurar a publicação simultânea dos dois periódicos, tanto mais que o quinzenário que apelidaram de revista do pensamento jovem passava por um período de grande irregularidade na sua publicação, que, aliás, não conseguiu superar durante o ano que sobreveio ao boletim de literatura e arte.

Luís Andrade