Centauro

Centauro foi, a par de Exílio, a revista literária mais significativa (do ponto de vista da fortuna crítica que se lhe seguiu) de 1916. Tal como o segundo título, Centauro foi dirigida por um dos de Orpheu, o que constitui um traço distintivo de continuidade com a revista do ano anterior. Se compararmos as duas folhas de rosto, as semelhanças gráficas são evidentes. Luís de Montalvor, o primeiro director de Orpheu, aparece aqui com um ainda maior destaque. O seu texto introdutório, "Tentativa de um ensaio sobre a Decadência", define o plano estético da revista ("Somos os descendentes do século da Decadência", diz no incipit). De facto, é a estética da Beleza e do Belo, bem à maneira simbolista, que esta publicação almeja, as palavras mais repetidas desse programa editorial.

Ainda que não se declare, como Orpheu, como revista entre Portugal e o Brasil, e também por isso menos cosmopolita e menos aberta ao exterior (a colaboração literária é exclusivamente nacional, repare-se), não deixa de se notar uma aproximação. No verso da página de rosto existe, por exemplo, a informação que seriam publicados textos de Eduardo Guimaraens, também presente no segundo número de Orpheu, e do espanhol Valle-Inclán. A menção, também nesta página, ao "saudoso artista" Mário de Sá-Carneiro é igualmente curiosa (havia falecido em Abril desse ano, em Paris) e constitui ainda uma ponte para a revista de 1915.

No que toca a Exílio, esta revista assume-se ainda mais literária, excluindo-se de publicar quaisquer textos de outra índole. Por outro lado, graficamente, são bastante parecidas – ao cliché de Guerra Junqueiro da primeira equivale-se o hors-texte de Christiano Cruz, um Centauro com ar consternado, um símbolo claro da importância da mitologia clássica e uma personagem do panteão simbolista. Esta figura abre assim o volume como que anunciando a modernidade como um "exílio" no passado, nas correntes consideradas passadistas do fim-do-século.

Embora se possa adiantar algumas pontes com Orpheu, não se deve igualmente ignorar a sua diferença. Centauro acentua, tal como Exílio, uma propensão decadentista do seu director, indo buscar os seus colaboradores aos nomes menos inovadores da publicação de 1915. É disso exemplo Raul Leal, escritor reconhecido pelas piores razões por "Sodoma Divinizada", e que aqui publica um longo texto narrativo também de cariz mitológico, "A aventura dum Sátiro ou A Morte de Adónis", confirmando-o como um autor polémico.

Por outro lado, "Passos da Cruz" aparece também como um bom par para "A Hora Absurda", que Fernando Pessoa acabara de publicar na primavera desse ano em Exílio, sobretudo no que toca ao seu tom e à sua estrutura. Pessoa escreve-os entre 1914-16, exactamente como o longo poema de Exílio. Vai pegar na ideia consagrada (e bem decadentista) do génio solitário, por extensão do artista maldito, que tem a missão de civilizar o mundo – um tom disfórico que é preciso contextualizar no ano da morte de Mário de Sá-Carneiro, seu malogrado compagnon de route.

Alberto Osório de Castro é um autor que se conota claramente com essa estética simbolista, com uma grande influência oriental, um colaborador desse órgão panfletário do Simbolismo que foi Boémia Nova (1889). Aqui aparece com quatro sonetos onde se patenteia a atmosfera oriental e exótica (p. ex: "íbis", "petite créole", entre outros) do Simbolismo, em arrebatadas exclamações e reticências.

Júlio Vilhena e Silva Tavares compõem o resto do elenco de autores decadentistas de Centauro: o primeiro com um longo poema narrativo e evocativo dos Descobrimentos (veja-se como no fim do texto Montalvor é ecoado: "A Decadência é a mãe de todas as coisas..."), e o segundo com seis sequências de versos irregulares e flutuantes tão significativamente intitulados "Poemas da alma doente", onde mais uma vez essa gramática do sonho finissecular aparece consagrada.

Talvez a colaboração mais importante de Centauro seja mesmo o conjunto de dezasseis poemas inéditos de Camilo Pessanha, amigo pessoal de Alberto Osório de Castro, claramente influenciador da sua própria poesia. A história da sua publicação é igualmente interessante: muito antes de Clepsidra (1920), Ana de Castro Osório, irmã de Alberto, consegue esses textos do próprio Pessanha aquando de uma deslocação a Lisboa (aliás, é desde fins de 1915 que a seu pedido Pessanha começa a estruturar aquilo que mais tarde será Clepsidra). Tal como o núcleo de sonetos de Pessoa, estes textos filiam-se num Simbolismo com o teor vago e lânguido no tratamento do assunto, sendo o seu melhor exemplo nas letras portuguesas.

De notar que Centauro continuaria a publicar Pessanha, nomeadamente as suas traduções de "Elegias Chinesas", tal como nos diz o verso da folha de rosto, caso tivesse oportunidade de continuar. Ficou o número único como testemunho.

Ricardo Marques