Sphinx

Sphinx é uma revista de novos, tal como se subintitula, tendo publicado dois números em 1917. A sua direcção será bifurcada entre a parte literária, assegurada por Laura Nogueira e Celestino Soares, e a parte artística, sob a responsabilidade de Leitão de Barros e Cottinelli Telmo, que então rondavam os vinte anos.

É da responsabilidade de Celestino Soares a apresentação da revista, logo nas primeiras páginas do número inaugural (Fevereiro 1917), onde podemos ler o seguinte:

"A nossa revista é, pois, mais uma das muitas tentativas para a Emancipação do Espírito que a Civilização e as Escolas transformaram, por forma a fazer do homem de hoje – uma 'criatura anti-humana, sem beleza, sem força, sem liberdade, sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espírito que é passivo como um escravo ou impudente com um histrião', de tal modo que 'todos, intelectualmente, são carneiros trilhando o mesmo trilho, balando o mesmo balido, com o focinho pendido para a poeira onde pisam em fila as pegadas já pisadas".

Em Sphinx sentimos desde logo um desejo orgulhoso (ainda que, talvez, insípido) de fazer diferente. A própria forma de encarar o mensário enquanto objecto é mais ligada a uma ideia de revista que se disseminou mais nos anos 20: um conjunto de folhas literárias, sempre com ilustrações para cada texto (portanto diferente de Orpheu, Exílio ou Centauro), e, sobretudo, com publicidade. Talvez seja interessante reparar detidamente em alguns desses anúncios a outras pessoas do meio literário estabelecido. É de salientar a Casa Editora "Para as Crianças", da responsabilidade de Ana de Castro Osório. O seu irmão, de resto, contribuirá para o segundo número com um poema.

Uma outra forma de mostrar-se “diferente” é a atenção ao que se passa fora de Portugal. Numa pequena nota com que o primeiro número acaba, alguém com o pseudónimo “Esfinge da Hélade” (talvez o editor Luís de Almeida Nogueira, caso se confronte a assinatura da coluna do segundo número) escreve uma coluna e meia sobre o desaparecimento de “um esteta”: nada mais nada menos que o escultor vorticista Gaudier-Bzerska, um dos elementos do movimento modernista inglês, encabeçado por Wyndham Lewis e que publicara a revista Blast no ano de Orpheu (e de que tanto Sá-Carneiro como Pessoa possuíam exemplar).

No que toca à colaboração artística de Sphinx, a bela esfinge desenhada na capa, muito ao gosto dos anos 10, e certamente da autoria de um dos directores artísticos, é emblemática de uma revista cuidada. A colaboração literária está longe de ser inovadora, com nomes como João Cabral do Nascimento, Américo Durão, e até uma crítica, no segundo número, àquele que parece ser um livro importante em 1917, recenseado noutras publicações: Charcos, de Alfredo de Freitas Branco (o redactor-chefe do primeiro número de A Tradição).

Por outro lado, Sphinx despertou algum interesse junto de outras publicações, talvez pelas ligações que estes jovens ilustres tinham com famílias instaladas no poder. A título de exemplo, O Heraldo, na sua terceira e última série no Algarve, quando já publicava a coluna de textos futuristas "Gente Nova", não só noticia o aparecimento do seu segundo número (Março de 1917) como um dos seus novos autores futuristas vai mesclar referências à revista de Lisboa num dos seus textos (O Heraldo, n.º 382, 20 de Maio de 1917). No segundo número de Sphinx, de resto, o gesto é retribuído com uma referência a O Heraldo (p. 47). Outra ligação pertinente é a Terra Portuguesa, uma publicação periódica que se subintitulava "Revista Ilustrada de Arqueologia Artística e Etnografia" (dirigida pelo historiador de arte Virgílio Correia, que pertenceu também à direcção de Atlântida, e que teve cinco séries entre 1916 a 1927) cujo anúncio aparece logo na segunda página do primeiro número.

A coluna de "Novíssimos" dentro de uma “revista de novos”, pretende ditar os nomes a reter na nova geração. No primeiro número, o director artístico Leitão de Barros não tem pudor de escrever sobre o talento do seu colega Cottinelli Telmo, Helena Roque Gameiro (com quem o primeiro viria a casar em 1923) é também referida como um talento promissor, e, noutra página do mesmo número, é a vez de sua irmã, Raquel Gameiro Ottolini, contribuir para a revista com uma ilustração marítima (p. 12) ao lado do poema bucólico de Teresa Leitão de Barros.

Vemos assim como esta é uma publicação de novos a querer romper com o passado, mas ainda muito presa a nacionalismos e passadismos de vária ordem, seja pelo seu conteúdo, seja pela suas ligações extra-literárias com outras publicações e seus protagonistas. É, no entanto, uma revista com um design muito próprio, já a anunciar o que seria a típica revista literária da década seguinte, com publicidade e ilustração gráfica.

Ricardo Marques