Dados editoriais
Ao apresentarem-se como “volumes separados, com completa independência uns dos outros e sem encargos de periocidade certa”, os Cadernos da Juventude parecem escapar aos requisitos canónicos do formato das revistas, assentes em linha editorial explícita e em periocidade definida.
Porém, a análise do teor da edição singular deste título revela clara afinidade com a estrutura formal e material dos periódicos de cultura tanto no seu proémio quanto no propósito de publicação seriada e, sobretudo, na miscelânea de ensaios, narrativas, poemas e ilustrações de autores simultaneamente distintos e complementares entre si.
Deste modo, a inclusão dos Cadernos da Juventude no Portal Revistas de Ideias e Cultura funda-se tanto no reconhecimento das semelhanças assinaladas quanto na observação de que os autores publicados nas suas páginas privilegiaram, ao longo da vida, nalguns casos desde o tempo de estudantes liceais, a publicação em periódicos com formatos genericamente afins.
Um outro problema inusual suscitado por este título respeita à atribuição da sua casa editora. Aparentemente, a questão está respondida na capa e na folha de rosto do volume, onde consta a indicação Arménio Amado, Editor, que não pode deixar de ser reconhecida como fazendo fé. Contudo, Fernando Namora, autor de um dos desenhos publicados e memorialista precoce da sua geração, atribuiu a iniciativa editorial “à mão do Augusto dos Santos Abranches”, proprietário da livraria e editora Portugália, em Coimbra. Ilídio Rocha confirmou-o e Arnaldo Saraiva retomou a indicação referida em três estudos, datados de 2013 e de 2014, publicados por ocasião do centenário do nascimento de Santos Abranches. Contudo, nenhum destes três autores adianta qualquer esclarecimento para esta discrepância tão ostensiva quanto insólita.
Já a escolha da Tipografia Lousalense, propriedade de Hortênsio Ribeiro dos Santos, como casa impressora pode ter tido causas bem mais óbvias, associadas à discrição de uma empresa retirada da vida quotidiana coimbrã e à memória republicana e maçónica de quem a havia fundado e dirigido.
Porém, nem a cautela nem a conivência lograram salvar a edição, que foi proibida oficialmente a 27 de Dezembro de 1937, após ter sido apreendida um mês antes, a crer no cólofon que dá a sua impressão por concluída em 18 de Novembro de 1937.
Se a opção pela modalidade de cadernos avulsos se tinha ficado a dever ao intuito de contornar os obstáculos administrativos colocados à fundação de periódicos e de evitar a autorização prévia dos textos publicados, que não se aplicava a opúsculos ou a livros, só se pode dizer que estes desígnios se viram inteiramente frustrados.
A razia policial mostrou-se tão implacável que o rasto dos dois exemplares que lhe sobreviveram nos conduz a instituições estatais: os Serviços de Censura à Imprensa e a Biblioteca Pública de Coimbra, dirigida, à época por José Pinto Loureiro.
Foi a este último espécime que Carlos Santarém de Andrade, director desta biblioteca meio século depois, recorreu para que os Cadernos da Juventude ganhassem, finalmente, foro público.
Com a entrega do espólio do Secretariado Nacional de Informação à Biblioteca Nacional, já no século XXI, chegou o exemplar censurado, agora reproduzido.
Por seu intermédio, ficamos face ao verso e ao reverso de uma mesma fonte. Por um lado, acedemos ao conteúdo de uma publicação que ganhou contornos emblemáticos. Por outro lado, encontramos, com exuberância de encorpado risco vermelho, a sanha da autoridade investida no papel de vigiar a publicitação das convicções culturais progressistas.
Luís Andrade