Emilio Costa

Dados editoriais

Com o eclodir da Primeira Guerra Mundial, o movimento anarquista mundial – que se encontrava relativamente unificado em torno das ideias de comunismo libertário, pedagogia moderna e revolucionarismo social – confrontou-se com o dilema de continuar a propaganda internacionalista e antimilitarista ou recuar no seu radicalismo e apoiar o esforço de guerra das democracias liberais contra as coroas imperiais.

A discussão que se desenvolveu nos meios libertários opôs duas visões distintas dentro do militantismo anarquista. A maioria permaneceu fiel aos princípios orientadores da acção internacional, fundada nas ideias de fraternidade e solidariedade universal entre os povos trabalhadores, mas uma minoria aderiu a um pretenso realismo político, inflectindo num colaboracionismo com os governos da Entente, com o propósito de supressão da ameaça imperial. Estas duas leituras opostas da realidade política circulavam em redor dos dois principais teóricos anarquistas de então: Errico Malatesta, que atribuía a responsabilidade pela conflagração tanto ao estado como ao sistema capitalista, e Pyotr Kropotkin, que interpretava a contenda a partir da natureza despótica do imperialismo germânico.

As repercussões desta clivagem fizeram-se rapidamente sentir no espaço anarquista português. A posição dominante, contudo, correspondeu ao alinhamento com Malatesta, sendo necessário esperar pelo início de 1915 para encontrar um periódico que advogasse o intervencionismo. Esse jornal intitulou-se Germinal e foi publicado pelo Grupo de Estudos Sociais "Germinal", que tinha iniciado as suas actividades propagandísticas em Abril de 1914. O seu director, Emílio Costa, tornou-se no principal exegeta da corrente guerrista, através da secção permanente "Os anarquistas e a guerra europeia", presente em 11 dos 19 números deste semanário, e que serviu não só para a difusão do argumentário anarquista intervencionista, como para polemizar com A Aurora, jornal portuense e porta-voz da tendência maioritária.

A 30 de Maio, publicou-se o derradeiro número da folha, apresentando-se a inquietação social provocada pela revolta de 14 de Maio, que desviava "o grande público da leitura de jornais que fazem propaganda de ideias", como principal razão desta suspensão. Continuar a publicação do Germinal não seria mais que uma perda de tempo, energia e dinheiro, como foi admitido no editorial do n.º 19. Entretanto, porém, tinha sido publicada a primeira brochura da colecção Figuras da Social, da responsabilidade do editor Augusto Machado, tencionando-se manter a actividade propagandística do grupo. Tratava-se de um folheto constituído por dados biográficos de Élisée Reclus, que se pretendia que fosse o primeiro de uma série dedicada a figuras históricas do socialismo moderno. Também esta empresa fracassou e terminou com uma única edição.

Seria necessário aguardar por Fevereiro de 1916 para observar o renascimento do labor militante do colectivo. O desaparecimento do jornal não impediu que o grupo editorial mantivesse a intenção de publicar um periódico, como ficaria comprovado pelo ressurgimento do Germinal, agora em formato de revista. Com 32 páginas por número, o mensário dedicado aos trabalhadores insistiu nas divergências reveladas pela guerra, mas também fomentou as discussões em torno da pedagogia libertária, além de ter reforçado o espaço destinado à disseminação científica e historiográfica. A equipa editorial não sofreu alterações: Emílio Costa manteve as funções de director e Mário Costa conservou o cargo de editor. A impressão continuou a ser feita numa oficina situada no 81 da Rua do Poço dos Negros. A morada da administração estaria na Rua da Barroca por mais algum tempo.

Como ficou determinado no editorial do primeiro número da revista, a orientação ideológica não sofreu alterações. O Germinal continuou, assim, isolado em Portugal, com o modesto apoio de alguns periódicos estrangeiros com quem partilhava algumas afinidades doutrinárias, como seria o caso dos jornais La Libre Fédération, de Genebra, e Acción Libertaria, de Gijón. Este contexto tornou-se ainda mais desfavorável após a redacção do Manifesto dos Dezasseis, em Março de 1916, cujo conteúdo foi denunciado pela maioria internacionalista um pouco por todo o mundo e que conduziu à marginalização de Kropotkin até ao fim da sua vida. Com a publicação integral do manifesto no n.º 3, de Abril, e o consequente apoio prestado aos seus signatários, o Germinal voltou a animar a controvérsia com A Aurora. Mas nesta segunda fase da polémica já não se tratou de uma discussão honesta sobre ideias em conflito. No seu lugar, colaboradores de ambos os periódicos atacaram os seus homólogos de forma destemperada, recorrendo a insultos que, provavelmente, remetiam para quezílias pessoais passadas.

Para agravar esta situação, as questões financeiras da revista eram bastante semelhantes às das publicações anarquistas suas contemporâneas, mutiladas por uma carestia de vida que não só prejudicava os editores, como também os leitores, justificando-se assim a conservação do preço avulso da revista em 5 centavos durante toda a sua atribulada existência. Mas ao contrário destes outros periódicos, que colhiam algum apoio junto dos operários e de militantes dedicados, tudo leva a crer que o Germinal tivesse mais dificuldades em recolher algum amparo, devido ao seu isolamento num espaço ideológico já de si diminuto, como era o do anarquismo. As informações de permutas, que começavam a escassear com o avanço da publicação, podem indicar esse afastamento. Uma das primeiras consequências desta situação fez-se sentir em Fevereiro de 1917, com a alteração da morada da administração para o 1º andar do n.º 55 da Travessa da Água da Flor. A partir desta data, todos os números publicaram um apelo ao auxílio e à subscrição voluntária da revista, revelando o desespero financeiro do grupo editor por esta altura. Os 28$00 conseguidos não seriam suficientes para impedir a suspensão definitiva do Germinal em Julho de 1917, após a publicação do número duplo 17-18 e de 522 páginas de propaganda.

António Baião