Heterodoxia Libertária
Fruto dum pequeno grupo de pessoas empenhadas na propaganda libertária, onde sobressaíam Emílio Costa, Adolfo Lima, Severino de Carvalho e mais tarde César Porto, esta revista, que se publicou mensalmente em Lisboa entre Fevereiro de 1916 e Julho de 1917 – o derradeiro número, 17/18, é duplo – e que somou no conjunto mais de meio milhar de páginas publicadas, caracterizou-se por alguma heterodoxia em relação à maioria do movimento libertário português da época, afirmando posições de grande independência na questão então crucial da Grande Guerra.
Enquanto a maioria se batia por um neutralismo intransigente, encarando a metamorfose da guerra entre os Estados em revolução social, o grupo editor de Germinal, propriedade da associação cultural Grupo de Estudos Sociais Germinal, que promovia cursos populares em associações de classe, defendia o “intervencionismo” ao lado da França e da Inglaterra contra os impérios centrais. A revista, que trazia como subtítulo “mensário dedicado aos trabalhadores”, dava continuidade a um jornal com o mesmo título e propriedade do mesmo grupo onde o confronto entre “guerristas” e “não-guerristas” já se fizera sentir. Todavia, é na nova publicação que a polémica ficará ao rubro, com a tradução e a publicação no n.º 3 do chamado “Manifesto dos Dezasseis” – declaração intervencionista assinada por 16 libertários de renome internacional, entre eles, Kropotkine, Cornelissen, Jean Grave e Charles Malato e acabada de publicar em Paris no jornal La Bataille (14/04/1916). O problema da guerra é assim transversal a boa parte da publicação e, a bem dizer, em todos os números se encontram ou polémicas abertas, em geral esgrimindo argumentos com o jornal A Aurora, do Porto, mesmo que não se refira o título portuense nem o dos seus oponentes (antes de mais, Neno Vasco e Manuel Joaquim de Sousa), em geral tratados por “maioria”, ou alusões encobertas à questão.
Como quer que seja, o mais de meio milhar de páginas publicadas não pode ser resumido a esta questão, que é afinal secundária se tivermos em atenção a vastíssima área de interesses da publicação, muito voltada para questões de pedagogia e ensino, que podem ser encaradas no âmbito da reforma das mentalidades que vinha do século XVIII, mas vocacionada também para a ilustração e a propaganda das ideias libertárias, de um ponto de vista gradualista. O esforço do grupo Germinal parece ter sido recolhido mais tarde, num contexto já muito diferente, por uma parte do grupo editor da revista A Ideia, fundada em Paris em 1974, e em especial por João Freire, que chegou mesmo a assumir a continuidade entre as duas publicações (A Ideia, n.º 49, Out. 1988, p. 62).
António Cândido Franco