

Homens Livres
Homens Livres foi um projeto editorial de integralistas e democratas do qual resultaram dois números em dezembro de 1923. O grupo, entendido como “uma das maiores surpresas dos meandros ideológicos e políticos da I República”, deu expressão ao acasalamento da ficção da elite regeneradora e suprapartidária de António Sérgio com o sincretismo das soluções ditatoriais em voga.
Ligados pelo receio do retorno salvífico de Afonso Costa, intelectuais e artistas reuniram-se na Biblioteca Nacional e prepararam a revista independente que seria uma proposta regeneradora para o país. O contexto foi favorecido pelo envolvimento de muitos dos protagonistas na subscrição do manifesto “Crime”, em apoio ao maestro Francisco de Lacerda, ou ainda pela campanha da Seara Nova, lançada em março do mesmo ano, em torno da “reorganização nacional”. Certo é que a proposta saiu de António Sérgio e dos seus próximos, e que lhe coube o processo de aproximação aos integralistas.
Sobre os integralistas, não havia ingenuidade ou equívoco ideológico. No início dos anos 20, tinham provas dadas de combate ao constitucionalismo, ao regime republicano e à democracia liberal. Em 1921 e 1922, Raul Proença tinha-lhes dedicado um poderoso ensaio na Seara Nova. Mas, em 5 de dezembro de 1923, António Sérgio justificou a aliança improvável entre republicanos, integralistas monárquicos e libertários, colando-os nos adjetivos: “reformadores”, “anti-conservadores”, “radicais”, “anti-plutocratas”1.
Criada durante o governo de trinta dias de Ginestal Machado, a revista não sobreviveu à participação de alguns seareiros no governo de Álvaro de Castro, nomeadamente de António Sérgio com a pasta da Instrução. E o sopro da ditadura pairou sobre o projeto desde o início: uma parte do grupo almejava uma ditadura transitória para as reformas que urgiam, ou a ditadura de salvação nacional dirigida por Norton de Matos, enquanto outros temiam os riscos da ditadura fascista.
Na fundação, unia-os a luta contra a plutocracia e o partidarismo, segundo palavras de António Sardinha. No abraço ideológico, o texto de abertura, de António Sérgio, expunha os recursos do populismo triunfante - nem esquerda, nem direita, e para além das limitações dos dois campos políticos, na procura da “política nova” e no encontro dos “homens livres”.
Unia-os, de facto, a crise do demoliberalismo, com o apodrecimento do partido republicano, e o voluntarismo de António Sérgio. Com efeito, o projeto Homens Livres surge na sequência do seu retorno do Brasil, em 1922, e estende opções que enformaram a revista que dirigiu entre março de 1918 e maio de 1919, Pela Grei – o “ressurgimento nacional”, abrigado por esperanças breves no sidonismo. Então, assumia a vontade de desenhar diagnósticos para produzir reformas de fundo, a depositar nas mãos de uma elite de sábios, imune às paixões dos dias.
Propondo-se trocar a ideologia pela emergência procuravam, ainda, atualizar o debate Decadência/Regeneração. De facto, neste projeto efémero casam dois caminhos diferentes sobre as leituras da Decadência e da Regeneração: o de feição liberal e herança iluminista, cujos primórdios remontam ao século XVIII, e que seria revisto pela causa da República, o integralista e maurassiano, da “atualização da tradição” que encorpou o Estado Novo. Na verdade, Homens Livres procurou unir as duas linhas divergentes sobre a Decadência e a Regeneração que se foram desenhando desde finais do século XIX: a nacionalista e progressista da República e a nacionalista e tradicionalista, autoritária e antiliberal.
Cecília Honório
“Homens Livres ou a nova falange política”, Diário de Lisboa, 5/12/1923.↩︎