Dados editoriais - Um título, três revistas e a última edição
O encontro da geração de intelectuais católicos irreverentes do início da década de 60 com o editor que se dispôs a fundar e a dirigir a revista que lhe conferiu voz colectiva deixou subtilmente registada a satisfação comum que proporcionou no próprio número inaugural de O Tempo e o Modo, publicado em finais de Janeiro de 1963, por ocasião do trigésimo sexto aniversário de António Alçada Baptista.
Além de Alçada Baptista, proprietário da Moraes Editora, Pedro Tamen, inspirado autor do título e editor do mensário até Maio de 1971, João Bénard da Costa, chefe de redacção, Nuno Bragança, Alberto Vaz da Silva e Mário Murteira foram os fundadores do periódico que se apresentava como revista de pensamento e acção. Integravam uma nova elite católica, crítica do salazarismo e reservada face à obediência hierárquica, a que pertenciam igualmente Manuel de Lucena, M. S. Lourenço, Ruy Belo, Nuno Portas, João Paes, Cristovam Pavia, entre outros futuros redactores e colaboradores da nova publicação.
A referência primordial tinha-lhes sido facultada pela revista Esprit, fundada por Emmanuel Mounier, em 1932, cujo exemplo se fez sentir quer no desígnio comum de contribuir para a criação de uma nova ordem civilizacional quer no plano orgânico, editorial, e, mesmo, gráfico. A existência de conselho consultivo, a estrutura ensaística, a publicação de números temáticos, incluindo a coincidência de alguns dos assuntos escolhidos, como a sexualidade, mostram a clara afinidade que uniu os dois periódicos, patente, ainda, na sua similaridade gráfica, desde logo, no decalque da capa do modelo francês pelo novel título nacional.
Numa década de transformações explícitas ou latentes, mas sempre extensas e profundas, O Tempo e o Modo soube impor-se, desde a edição inaugural, como uma iniciativa capaz de congregar autores católicos e não-católicos e de promover a mudança no conjunto dos domínios de que se ocupou, apesar do contexto nacional se mostrar cerceador de qualquer questionamento, como as pastas de artigos censurados, número após número, registam.
Porém, o mérito e o prestígio cultural e político que a revista adquiriu e que passou a ficar associado à evocação do seu título, sob a orientação de Bénard da Costa e com Vasco Pulido Valente como subchefe de redacção, não foi suficiente para assegurar a viabilidade económica de um empreendimento sóbrio em que abundavam ensaios e dossiers extensos, vocacionados necessariamente para um público restrito.
Foi a evolução deficitária da situação financeira – com receitas que só cobriam dois terços das despesas – que levou Alçada Baptista a manifestar o desejo de que os encargos com a publicação deixassem de recair sobre a Moraes Editora, pelo que a propriedade do título transitou para uma sociedade anónima com a mesma designação, criada em meados de 1968.
Se o editorial do n.º 56, de Janeiro de 1968, comemorativo do quinto aniversário, já sublinhava a necessidade de uma renovação profunda da revista e advogava um modelo editorial menos erudito e mais ligado à actualidade, a edição n.º 73, de Novembro de 1969, concretizou-a numa “Nova Série”, com formato de magazine, artigos mais sucintos e ilustração paródica, mas sem interrupção da numeração.
As mutações sofridas foram, contudo, muito mais profundas do que o previsto, já que não se limitaram às mudanças de proprietário e de configuração editorial, antes se viram acompanhadas por uma nova orientação geral e uma nova redacção.
Do corpo redactorial original ficou Bénard da Costa, que passara à condição de director no n.º 71-72, datado de Março-Abril de 1969, para acumular com as funções de editor, a partir de Junho de 1971, as quais transitaram formalmente, após a sua retirada, para Luís Matoso, embora a título interino, a partir da edição do n.º 92, de Out.-Nov.-Dez. de 1971.
Durante os últimos anos da série inicial e os primeiros daquela que se seguiu, Amadeu Lopes Sabino chefiou uma redacção constituída quase exclusivamente por estudantes universitários que se sentiam mobilizados por um contexto ideológico internacional que teve expressões impressivas tanto em Paris no mês de Maio de 1968 quanto na Revolução Cultural Chinesa e nos campos de batalha do Vietname. João Martins Pereira, Jorge Almeida Fernandes, Sebastião Lima Rego, Armando Trigo de Abreu, João Ferreira de Almeida e Nuno Júdice, entre outros, passaram, então, à condição de articulistas regulares.
Embora a denúncia liminar da desordem civilizacional burguesa pudesse aproximar aparentemente os redactores das duas séries da revista, a cisão entre as duas gerações de universitários da década de sessenta mostrou-se nítida, quer no âmbito da crítica à visão tradicional e reverencial da cultura e dos seus patriarcas, quer pela sinofilia manifestada, quer no âmbito do próprio quotidiano de uma redacção que passou a submeter a publicação dos artigos a discussão e aprovação colectivas, acabando por assumir o princípio da autoria conjunta.
O ciclo que começara a desenhar-se em 1967 conheceu ainda uma segunda inflexão explicitada em editorial de Janeiro de 1973, em que a tendência maoísta presente desde o início da Nova Série procedeu à análise mordaz dos dez anos de publicação do mensário, ao mesmo tempo que declarava assumir, em nome da única ideologia progressista, a ruptura com a ambiguidade e o eclectismo mais recentes.
Apesar da direcção nominal da revista só haver transitado de Luís Matoso para Guerreiro Jorge no n.º 104, de Maio de 1974, uma nova orientação efectiva vigorava desde 1972, sob a responsabilidade directa de José Maria Martins Soares e a supervisão crítica de Arnaldo Matos, observável quer nas cartas de crítica dos desvios doutrinários de um leitor particularmente esclarecido quer na modalidade de autocrítica colectiva.
A novíssima redacção passou, então, a contar com a colaboração regular de três jornalistas – Adriano de Carvalho, João Carreira Bom e João Isidro –, alguns jovens universitários do ISEG – António José Telo, Emanuel Santos e João Pinto e Castro – e um conjunto significativo de colaboradores, organizados em grupos de estudo temáticos.
Embora tenha mantido o aspecto de um simples periódico cultural, a revista passou a oscilar entre a elucidação do corpo de teses de filiação maoísta que unia os articulistas e a sua expressão política militante e pragmática. Ao estudo da história dos movimentos políticos do século XX, à análise da realidade social portuguesa, à apreciação da política internacional e à difusão dos exemplos chineses e albaneses das letras e artes revolucionárias, juntou-se, após o 25 de Abril, o apelo partidário directo, muitas vezes com recurso a uma linguagem gráfica oriunda da propaganda mural.
Com a edição de Setembro de 1977, com o n.º 126, a publicação da revista, mais ou menos regular, ficou concluída.
Sobreveio, ainda, o número único da 3.ª série, datado de Março de 1984, tendo Carlos Vargas como director e Fernando Rosas, que acompanhara a revista de perto durante a década de 1970, como chefe de redacção. A iniciativa, que não reclamava uma herança, mas se limitava a evocar o alento cultual e cívico de um título relevante, acabou por ficar reduzida a este impulso inicial.
Luís Andrade