Pela Grei

A revista Pela Grei foi publicada entre março de 1918 e maio de 1919, no quadro da dupla crise – do demoliberalismo e da guerra. Contemporânea da ditadura sidonista, ela é um testemunho dos níveis de entusiasmo e desilusão dos seus mentores com o momento político. Com efeito, a adesão inicial ao sidonismo é tão entusiástica, na convicção do “ressurgimento nacional” que restituiria a República à sua verdadeira natureza, quão frustrada na constatação do caminho para a ditadura.

Órgão da Liga de Ação Nacional, liga cívica para além dos partidos políticos, Pela Grei não se funde com ela, nem nos protagonistas. Mesmo se com escassa influência, o projeto não se esgota na curta vida e nas centenas de páginas publicadas se entendermos o seu “recomeço” na Seara Nova.

No quadro da tensão histórica recorrente entre Decadência e Regeneração, o programa da revista é o do “ressurgimento nacional” assente na reforma das elites, desenhada no suprapartidarismo e num governo de sábios. Assim, a Nação exigia a configuração de uma opinião coletiva que ultrapassasse as “paixões políticas” e os vícios da oligarquia, que desenhasse a “política nacional”, e a elite intelectual onde se revêem os seus autores estava pronta para a missão.

Neste contexto, a política de fomento para a estabilidade económica e política é matricial no projeto. Além de textos focados em temas como a reforma das elites ou do sistema de ensino, a revista apresenta um conjunto de propostas económicas que são devidas ao engenho de Ezequiel de Campos: da revolução agrária à modernização da indústria, à articulação do mercado interno e à reforma da estrutura tributária.

Na procura de uma verdadeira “política nacional”, Pela Grei encetaria uma terceira via, nem reacionária e católica, nem republicana e “jacobina”. Nem a evolução do sidonismo, para além da miscelânea contraditória de partida, a poderia aceitar sem incómodo, dado que os seus autores não se demarcam da “verdadeira Democracia” e do seu aprofundamento, nem alinham com o messianismo, nem a poderiam rejeitar com estrondo, dados os traços de nacionalismo, a rejeição do atomismo individualista, a superação da luta de classes na solidariedade e cooperação, tudo em nome de uma nação que ressurge muito próxima do “todo orgânico”.

Quer se acentuem aspetos da sintonia da revista com a “geração de 90” que, sem visar a destruição do estado liberal, decantaram um liberalismo “rendido” e ambíguo com o totalitarismo, como o fez Fernando Farelo, em 1981, quer se convoque o ensejo reformista da mesma e se insista na fidelidade de António Sérgio à “democracia republicana”, como o fez João Medina, em 1984, a revista Pela Grei mergulhou no desespero da guerra, no atraso do país, na ameaça da insustentabilidade da dívida e na iminência do caos, mas com uma proposta de “ressurgimento” que misturava reforma e reação.

Sublinha-se, neste quadro, não só os riscos da fluidez ideológica do liberalismo do pós-guerra nas relações com a extrema-direita, como a evidência do oportunismo ideológico da Ditadura na apropriação de lugares-comuns à elite intelectual – do lugar da Nação, à rejeição dos partidos e “paixões políticas”, à cooperação entre as classes.

Cecília Honório