O raiar de um caminho artístico
Sol Nascente possui, em termos gráficos, uma marca distintiva pouco habitual nos coevos e congéneres periódicos: a apresentação de uma obra de arte em praticamente todas as suas capas (excepto os n.ºs 1 e 38), e ocupando amplo espaço. A preocupação com a comunicação e a educação artísticas é manifesta, não apenas pelo subtítulo inicialmente adoptado – Quinzenário de Ciência, Arte e Crítica –, que naturalmente se exprime em recorrentes artigos dessa temática, mas sobretudo pela promoção de uma cultura visual que se mantém ao longo dos mais de 3 anos de existência da revista, proporcionando, com destaque de primeira página, o “dar a ver” obras pictóricas editorialmente significativas.
Manuel de Azevedo (1916-1984) foi um dos fundadores e pilares da publicação, da inicial redacção no Porto à sua posterior transferência para Coimbra. Desde o primeiro número, teve uma participação activa enquanto secretário permanente da redacção, com funções de coordenação da programação editorial e de actividades administrativas, sendo igualmente responsável pela direcção e execução gráficas, mas também colaborou assiduamente como ilustrador, crítico de cinema e literário, tendo a seu cargo a secção cinematográfica.
Apesar destas constantes, a revista vai reflectindo gráfica e artisticamente as mudanças ideológicas, e consequentemente editoriais, por que passa. Inicialmente com uma matriz mais ecléctica e heterogénea, congregou republicanos encabeçados por Abel Salazar (1889-1946), mentor da revista e seu colaborador incansável, algumas personalidades de formação libertário-anarquista, entre as quais o crítico de arte e artista João Alberto de Carvalho (1909-1982), e jovens marxistas.
Nos primeiros números do quinzenário, todas as ilustrações, as das capas e do miolo, são de Manuel de Azevedo e de João Alberto, à excepção de uma, interior, de Jaime de Oliveira. A partir do n.º 5, com algumas alterações a nível directivo, sai o termo “Arte” do subtítulo, passando a Quinzenário Cultural de Literatura e Crítica, mas paradoxalmente as capas de Sol Nascente mostram representações de obras que denotam uma escolha mais cuidada e um maior conhecimento artístico. Esta selecção, da responsabilidade do pintor Dominguez Alvarez (1906-1942), imprime uma relevância e qualidade gráfica incomum entre as publicações da época. Nas capas são reproduzidas obras de pintores do Porto ou ligados à sua escola de Belas Artes – do próprio Dominguez Alvarez, Joaquim Lopes (1886-1955), Dórdio Gomes (1890-1976), Guilherme Camarinha (1912-1994), Ventura Porfírio (1908-1998), Mendes da Silva (1903-1987), Casimiro de Carvalho, Cruz Caldas (1898-1975), Abel Salazar e do seu discípulo Augusto Tavares (1897-1990) –, entre representações paisagísticas e de figuração humana, de um tardo-naturalismo ou já com incorporações de propostas modernistas, mormente algum expressionismo. São também apresentadas obras de dois pintores galegos, José Seijo Rubio (1881-1970) e Carlos Maside (1897-1958) – por via da ligação de Alvarez, pela sua ascendência, à arte galega –, e de dois gravadores do norte da Europa, o polaco Skoczylas Wladyslaw (1883-1934) e o sueco, residente no Porto, Nils af Ström (1903-1971). Em termos temáticos, há uma atenção particular ao regionalismo e aos aspectos sociais, através de representações do povo, do seu trabalho ou condição de vida.
Entretanto, na fase de transição da revista para Coimbra, a partir de Outubro de 1937, observa-se uma mudança da imagem do cabeçalho, com o título a apresentar-se numa fonte mais espessa e impactante, tornando o vermelho da palavra “Sol” mais evidente. A par de obras de alguns daqueles artistas portuenses, são mostradas no frontispício da “revista do pensamento jovem”, obras de pintores de Lisboa, nomeadamente as de Magalhães Filho (1913-1975), Frederico George (1915-1994) e Manuel Lima (1911-1991), jovens promessas de uma arte moderna e humana, mas também de Jorge Barradas (1894-1971) e um Baixo-relevo de Leopoldo de Almeida (1898-1975). No miolo do quinzenário, continuam a predominar as gravuras de Manuel de Azevedo, ilustrando artigos ensaísticos e textos de ficção e poesia, como a xilogravura representando a maternidade, junto ao poema “Caminho” de Mário Dionísio.
Com a redacção já em Coimbra, numa linha editorial ainda mais voltada para uma acção progressista e um maior cuidado na escolha da colaboração ideológica e artística, privilegia-se o desenho e a gravura nas capas, novos artistas como Huertas Lobo (1914-1987) e uma selecção das obras denotativas de um maior compromisso político-social, como as de Abel Salazar. As colaborações de Manuel de Azevedo são cada vez mais espaçadas até pararem em Maio de 1939, provavelmente pela sua terceira detenção pela PIDE, e começam a avultar as ilustrações e outros trabalhos gráficos de dois artistas coimbrões, António Ruivo Ramos [Somar] (1918-1998) e António José Soares [Ares] (1916-2002), nomeadamente retratando personalidades como os escritores Romain Rolland, Erich Maria Remarque e Máximo Gorki. Nesta perspectiva é também publicada uma das duas únicas fotografias, o retrato de Federico García Lorca.
Esta vinculação ideológica e estética a um movimento internacional também é assinalada pela revista, não só representando figuras culturalmente significativas, mas reproduzindo desenhos publicados noutras revistas, como a brasileira Diretrizes e a cubana Mediodía, de Nicolás Guillén, e chamando à capa obras de artistas como o expressionista alemão George Grosz (1893-1959) e o pintor do povo brasileiro, Cândido Portinari (1903-1962). Deste, é publicada, no que seria o último número de Sol Nascente, antes da sua proibição pelos Serviços de Censura, uma reprodução da célebre pintura Café que se torna epílogo expressivo e anunciador de um caminho estético-artístico adentro do realismo social pelo qual ansiavam.
Luísa Duarte Santos