 Manuel de Azevedo
Manuel de Azevedo Abel Salazar
Abel Salazar Dominguez Alvarez
Dominguez Alvarez Augusto Tavares
Augusto Tavares Frederico George
Frederico George António Ruivo Ramos
António Ruivo Ramos George Grosz
George GroszO raiar de um caminho artístico
Sol Nascente possui, em termos gráficos, uma marca distintiva pouco habitual nos coevos e congéneres periódicos: a apresentação de uma obra de arte em praticamente todas as suas capas (excepto os n.ºs 1 e 38), e ocupando amplo espaço. A preocupação com a comunicação e a educação artísticas é manifesta, não apenas pelo subtítulo inicialmente adoptado – Quinzenário de Ciência, Arte e Crítica –, que naturalmente se exprime em recorrentes artigos dessa temática, mas sobretudo pela promoção de uma cultura visual que se mantém ao longo dos mais de 3 anos de existência da revista, proporcionando, com destaque de primeira página, o “dar a ver” obras pictóricas editorialmente significativas.
Manuel de Azevedo (1916-1984) foi um dos fundadores e pilares da publicação, da inicial redacção no Porto à sua posterior transferência para Coimbra. Desde o primeiro número, teve uma participação activa enquanto secretário permanente da redacção, com funções de coordenação da programação editorial e de actividades administrativas, sendo igualmente responsável pela direcção e execução gráficas, mas também colaborou assiduamente como ilustrador, crítico de cinema e literário, tendo a seu cargo a secção cinematográfica.
Apesar destas constantes, a revista vai reflectindo gráfica e artisticamente as mudanças ideológicas, e consequentemente editoriais, por que passa. Inicialmente com uma matriz mais ecléctica e heterogénea, congregou republicanos encabeçados por Abel Salazar (1889-1946), mentor da revista e seu colaborador incansável, algumas personalidades de formação libertário-anarquista, entre as quais o crítico de arte e artista João Alberto de Carvalho (1909-1982), e jovens marxistas.
Nos primeiros números do quinzenário, todas as ilustrações, as das capas e do miolo, são de Manuel de Azevedo e de João Alberto, à excepção de uma, interior, de Jaime de Oliveira. A partir do n.º 5, com algumas alterações a nível directivo, sai o termo “Arte” do subtítulo, passando a Quinzenário Cultural de Literatura e Crítica, mas paradoxalmente as capas de Sol Nascente mostram representações de obras que denotam uma escolha mais cuidada e um maior conhecimento artístico. Esta selecção, da responsabilidade do pintor Dominguez Alvarez (1906-1942), imprime uma relevância e qualidade gráfica incomum entre as publicações da época. Nas capas são reproduzidas obras de pintores do Porto ou ligados à sua escola de Belas Artes – do próprio Dominguez Alvarez, Joaquim Lopes (1886-1955), Dórdio Gomes (1890-1976), Guilherme Camarinha (1912-1994), Ventura Porfírio (1908-1998), Mendes da Silva (1903-1987), Casimiro de Carvalho, Cruz Caldas (1898-1975), Abel Salazar e do seu discípulo Augusto Tavares (1897-1990) –, entre representações paisagísticas e de figuração humana, de um tardo-naturalismo ou já com incorporações de propostas modernistas, mormente algum expressionismo. São também apresentadas obras de dois pintores galegos, José Seijo Rubio (1881-1970) e Carlos Maside (1897-1958) – por via da ligação de Alvarez, pela sua ascendência, à arte galega –, e de dois gravadores do norte da Europa, o polaco Skoczylas Wladyslaw (1883-1934) e o sueco, residente no Porto, Nils af Ström (1903-1971). Em termos temáticos, há uma atenção particular ao regionalismo e aos aspectos sociais, através de representações do povo, do seu trabalho ou condição de vida.
Entretanto, na fase de transição da revista para Coimbra, a partir de Outubro de 1937, observa-se uma mudança da imagem do cabeçalho, com o título a apresentar-se numa fonte mais espessa e impactante, tornando o vermelho da palavra “Sol” mais evidente. A par de obras de alguns daqueles artistas portuenses, são mostradas no frontispício da “revista do pensamento jovem”, obras de pintores de Lisboa, nomeadamente as de Magalhães Filho (1913-1975), Frederico George (1915-1994) e Manuel Lima (1911-1991), jovens promessas de uma arte moderna e humana, mas também de Jorge Barradas (1894-1971) e um Baixo-relevo de Leopoldo de Almeida (1898-1975). No miolo do quinzenário, continuam a predominar as gravuras de Manuel de Azevedo, ilustrando artigos ensaísticos e textos de ficção e poesia, como a xilogravura representando a maternidade, junto ao poema “Caminho” de Mário Dionísio.
Com a redacção já em Coimbra, numa linha editorial ainda mais voltada para uma acção progressista e um maior cuidado na escolha da colaboração ideológica e artística, privilegia-se o desenho e a gravura nas capas, novos artistas como Huertas Lobo (1914-1987) e uma selecção das obras denotativas de um maior compromisso político-social, como as de Abel Salazar. As colaborações de Manuel de Azevedo são cada vez mais espaçadas até pararem em Maio de 1939, provavelmente pela sua terceira detenção pela PIDE, e começam a avultar as ilustrações e outros trabalhos gráficos de dois artistas coimbrões, António Ruivo Ramos [Somar] (1918-1998) e António José Soares [Ares] (1916-2002), nomeadamente retratando personalidades como os escritores Romain Rolland, Erich Maria Remarque e Máximo Gorki. Nesta perspectiva é também publicada uma das duas únicas fotografias, o retrato de Federico García Lorca.
Esta vinculação ideológica e estética a um movimento internacional também é assinalada pela revista, não só representando figuras culturalmente significativas, mas reproduzindo desenhos publicados noutras revistas, como a brasileira Diretrizes e a cubana Mediodía, de Nicolás Guillén, e chamando à capa obras de artistas como o expressionista alemão George Grosz (1893-1959) e o pintor do povo brasileiro, Cândido Portinari (1903-1962). Deste, é publicada, no que seria o último número de Sol Nascente, antes da sua proibição pelos Serviços de Censura, uma reprodução da célebre pintura Café que se torna epílogo expressivo e anunciador de um caminho estético-artístico adentro do realismo social pelo qual ansiavam.
Luísa Duarte Santos












