Dados editoriais
Quando surgiram as primeiras notícias sobre a intenção da Comissão Administrativa de A Batalha criar um novo órgão de exposição doutrinária, em Novembro de 1923, a organização anarco-sindicalista encontrava-se diluída numa série de dilemas e contrariedades que enfraqueciam a posição dominante de que gozava no seio do movimento operário, desde a sua fundação em finais de 1919.
O contexto político, não lhe sendo naturalmente favorável, contribuiu para dificultar a acção da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e do seu jornal diário. Entre a repressão aos comícios contra a ocupação do Ruhr e as greves em resposta ao encarecimento do pão, ou as perseguições e prisões arbitrárias de camponeses e operários (só o secretário-geral da CGT, José da Silva Santos Arranha, foi encarcerado três vezes), o ano de 1923 não foi propício ao sucesso da actividade propagandística da confederação. Também a sua vida interna agravou esta circunstância. Entre 1921 e o III Congresso Operário Nacional, em Outubro de 1922, a CGT confrontou-se com o abandono de inúmeros militantes e dirigentes que se aproximaram do comunismo, além de ter fomentado e participado activamente na discussão em torno da sua adesão à Associação Internacional dos Trabalhadores de Berlim ou à Internacional Sindical Vermelha (ISV), que contribuiu para a cisão do sindicalismo português e debilitação da sua base hegemónica. Como consequência da posição tomada pelo Conselho Confederal nesta questão, ao favorecer a entrada dos confederados na Internacional de Berlim e alegadamente obstruir o contraditório, que se iria reflectir no Manifesto dos 21, Arranha demitir-se-ia em Novembro de 1923 e, no mesmo mês, o Comité Confederal iria sofrer uma recomposição.
À expansão do primeiro triénio de vida da CGT, sucedia-se um período de menor vigor, com perda de números nas suas fileiras e que se reproduziu também no seu principal órgão na imprensa diária: a partir de 1923, eram cada vez mais as dificuldades em suportar a alegada tiragem diária de 18000 exemplares de A Batalha, o que levou a Comissão Administrativa do jornal a duplicar o preço de 10 para 20 centavos. O valor do jornal não era, porém, o único problema. A própria direcção ideológica não era suficientemente clara e o trabalho propagandístico era considerado defeituoso, pelo que o Conselho Confederal exigiu, em Novembro, que A Batalha assumisse uma orientação sindicalista revolucionária, de acordo com as deliberações do congresso operário do ano anterior, na Covilhã.
Foi neste contexto que nasceu o Suplemento literário e ilustrado de A Batalha, a 3 de Dezembro de 1923, publicado à segunda-feira para garantir a pausa dominical dos tipógrafos e redactores de A Batalha, e que propunha ser o "companheiro intelectual do operário" e levantar a propaganda da Ideia. A impressão era feita numa oficina gráfica na Rua da Atalaia e o preço de venda ao público era de 50 centavos, havendo uma modalidade de assinatura independente da do jornal diário. A segunda-feira era também passada a preparar a expedição postal para os assinantes, incluindo escolas, sindicatos e associações culturais ou recreativas. As suas oito páginas eram destinadas a reflexões teóricas em torno do anarquismo e a artigos de divulgação de cultura libertária. Dedicava, ainda, duas páginas às secções permanentes "O que todos devem saber", com diversas informações para a classe trabalhadora, e "Chico, Zeca & C.ª", destinado aos filhos dos operários. Se o diário A Batalha continuava a ser o espaço reservado ao combate dos trabalhadores e ao noticiário geral, o Suplemento completava a obra do jornal, através da elevação "intelectual, moral e artística" de todos os seus leitores. Gozava, contudo, de relativa autonomia em relação ao jornal, através de financiamento e orçamentação própria, apesar de ser formalmente dirigido pelo redactor principal de A Batalha, que acumulava a direcção do diário com a da nova revista.
À data da edição do primeiro número do Suplemento, foi o compositor tipográfico Carlos José de Sousa que desempenhou essas funções, depois de resistir à crise do mês anterior e após lhe ter sido negado o pedido de demissão pelo Conselho Confederal. Mas apesar da experiência acumulada na direcção de dois jornais de combate laboral (antes de A Batalha tinha exercido cargo semelhante no Avante), Sousa estava fragilizado por ter participado activamente em reuniões "extra-oficiais" com militantes do Partido Comunista Português (PCP), que tinham sido denunciadas pelo próprio Comité Confederal. A inquietação na cúpula da CGT e a sua reorganização interna levam a crer que seria a redacção de A Batalha quem dirigia realmente a nova publicação periódica, até porque tinha partido dela a vontade de iniciar uma revista cultural que colmatasse as lacunas do diário. Por esta razão, o Suplemento foi dirigido, ao que tudo indica, pelo chefe de redacção António Pinto Quartim, o jornalista mais experiente do colectivo responsável pela feitura do periódico.
O semanário alterou a sua designação logo no n.º 14, de 3 de Março de 1924, para Suplemento Semanal Ilustrado de A Batalha. As mudanças na composição editorial da revista não terminariam por aí, pois Carlos José de Sousa demitir-se-ia finalmente em Julho, debilitado pela quebra de confiança da cúpula da CGT e devido à incapacidade demonstrada em responder à instauração de regime censório e apreensões constantes de A Batalha, a partir de Maio, precisamente o mesmo mês em que os seus tipógrafos entraram em greve, reivindicando o pagamento de salários atrasados e incompletos. A alteração só se tornou efectiva em Outubro, quando o Conselho Confederal decidiu seguir a recomendação de Sousa e indicar o secretário-geral da CGT para as funções de direcção dos seus diversos órgãos de imprensa. Assim, o sapateiro Manuel da Silva Campos passou a dirigir o Suplemento a partir do n.º 46, de 13 de Outubro. Caiu a denominação de redactor principal, que é substituída pela figura do director, o que é menos uma formalidade do que se poderia pensar: como Campos admitiu em editorial do diário, a 7 de Outubro, seria menos activo nos trabalhos redactoriais que o seu antecessor, devido aos seus encargos no organismo confederal, pelo que garantiria uma maior independência à equipa de Quartim. Como consequência, o distanciamento de posições entre a Confederação Geral do Trabalho e A Batalha e o Suplemento tornar-se-iam mais evidentes nos meses que se seguiram.
As convulsões internas no país permitiram identificar o posicionamento ideológico do Suplemento: ao mesmo tempo que se opunha à instauração de uma ditadura militar em Portugal, apoiando a organização de diversos comícios, e repudiava os assassinatos de filhos de corticeiros grevistas em Silves, iniciava uma campanha contra os atentados bombistas que assolaram Lisboa entre Julho e Outubro. Para o Conselho Confederal, porém, a propaganda continuava a ser incipiente e o trabalho da redacção de A Batalha foi censurado, principalmente pelo espaço noticioso que era atribuído à União dos Interesses Sociais, à qual a CGT decidiu não dar o seu apoio formal, e ao assumir uma "atenciosa expectativa" em relação ao governo da esquerda democrática, de José Domingues dos Santos. A clivagem entre A Batalha e o Comité Confederal, por um lado, e o Conselho Confederal, por outro, agravar-se-ia após o 18 de Abril, quando o Conselho repudiou a posição de Silva Campos, ao empurrar a CGT para uma frente unida das esquerdas contra os golpistas. Em Julho, demitiu-se das suas funções de director de A Batalha, depois do seu administrador, Artur Aleixo de Oliveira, referir que o Suplemento não tinha correspondido às necessidades de propaganda para as quais tinha sido criado. Foi substituído no mesmo mês pelo ex-secretário-geral Santos Arranha, que passava a coordenar toda a imprensa da CGT.
A partir do n.º 86, de 20 de Julho de 1925, era já o nome de Arranha que surgia no cabeçalho do Suplemento. O novo director exerceria as funções a tempo inteiro, pelas quais seria remunerado. A sua eleição teve o propósito de impor uma linha ideológica intransigente e de restringir a autonomia da redacção liderada por Quartim, eliminando os desvios que se tinham verificado nos dois anos anteriores, além de executar uma "acção defensiva, franca e aberta, contra as manobras divisionistas do proletariado" conduzidas pelo jornal A Internacional, órgão da esfera de influência da ISV e do PCP. O conflito interno na CGT entre a maioria anarquista e a minoria comunista, que em 1923 tinha sido alvo de intenso escrutínio, ter-se-ia agravado e Arranha foi o escolhido para resolver esta divergência na imprensa confederal.
Os meses seguintes foram ainda marcados por outras contrariedades que debilitaram a CGT, A Batalha, o Suplemento e a recém-criada Renovação. O IV Congresso Nacional Operário, em Setembro, marcou a saída definitiva da Federação Marítima da confederação, o que resultaria numa perda de militância significativa, que também foi o efeito provocado pela vaga de deportações e prisões arbitrárias de trabalhadores. A repressão aumentou e, logo em Outubro, as instalações no 2º andar do 38-A da Calçada do Combro foram assaltadas pelas forças policiais. Na sua imprensa, o perigo fascista e a ditadura das forças vivas eram analisados pelos seus articulistas, mas, a partir de Fevereiro de 1926, os destaques de primeira página destinaram-se a cobrir o escândalo financeiro do Banco Angola e Metrópole. Estas reportagens de Mário Domingues contribuíram para um provável aumento das vendas de A Batalha, sem contudo alcançar os 6000 exemplares de tiragem do ano anterior. Mas o favorecimento deste tipo de conteúdo noticioso desagradou ao Conselho Confederal, que pretendia que os órgãos da imprensa cegetista se focassem na propaganda activa da Ideia e da revolução proletária.
A orientação de A Batalha voltou a ser posta em causa pela cúpula da CGT, principalmente aquando da publicação de artigos intitulados "Problemas sindicais", em Maio de 1926, que foram considerados um meio para Arranha se intrometer nas questões de organização sindical, fora das suas competências enquanto director da imprensa. Em Agosto, o antigo director do diário Manuel Joaquim de Sousa deu uma entrevista ao Diário de Lisboa, referindo-se "às crescentes intrigas" que partiam da redacção e aos "deslizes crescentes de A Batalha", que só contribuíam para destabilizar a vida interna da organização confederal. Mas com o eclodir do 28 de Maio, as divergências entre Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa tornaram-se mais evidentes e escalaram até a demissão do primeiro, depois de lhe ter sido atribuído a responsabilidade de definir a posição da CGT, perante o golpe militar, como expectante e neutral, quando o Comité Confederal tinha já dado indicações para que se proclamasse a greve geral revolucionária em A Batalha de dia 29.
Ao lado de Sousa encontravam-se a União Anarquista Portuguesa, as Juventudes Sindicalistas e o jornal O Anarquista, dirigido por Francisco Quintal e apoiado por alguns militantes que lhe eram próximos: Emídio Santana, Adriano Botelho e Germinal de Sousa, filho do ex-secretário-geral. Logo em Abril, o periódico lançou um ataque violento à orientação da imprensa cegetista, questionando se o Suplemento se tratava de um museu de variedades, no seguimento da publicação de um artigo de César Porto sobre a instrução soviética. Em Julho, as críticas estenderam-se à restante redacção, que apoiou Arranha no diferendo com a CGT. Em causa estavam os salários auferidos pelos "profissionais do jornalismo" de A Batalha e que a afastavam da sua direcção revolucionária. Dois dias depois, Ferreira de Castro, Jaime Brasil, Pinto Quartim e Eduardo Frias responderam a este "insulto soez", abandonando o Suplemento e restantes publicações periódicas. Só Castro regressaria, já em Setembro e sem Arranha na direcção. Foi substituído por Joaquim de Sousa a partir do n.º 144, aquele que seria o primeiro de dois directores interinos da revista.
Agosto terminou com a necessidade de composição de um novo Conselho Confederal que só tomou posse em Novembro. Até lá, A Batalha e a sua revista semanal foram geridas pela redacção neste período transitório, supondo-se que o director interino teria um papel de coordenação mais limitado. Ao contrário de Quartim, que ao que tudo indica não regressou aos escritórios na Calçada do Combro após a polémica em que se viu envolvido com O Anarquista, Mário Domingues, Alfredo Marques, Cristiano Lima e David de Carvalho mantiveram-se na redacção. Os "rapazes" tornaram-se os novos coordenadores do diário e do Suplemento. As primeiras alterações fizeram-se sentir logo no título do semanário, que do n.º 145 em diante, passou a designar-se Suplemento Literário Ilustrado de A Batalha.
Em plena ditadura militar, a CGT continuou focada na resolução do clima de crispação interna. A eleição do novo Conselho Confederal resultou no abandono das Federações do Livro e do Jornal, Metalúrgica, Mobiliária e Vinícola, conflito que nunca terá sido superado, mas apenas abafado pelo empreendimento reviralhista de Fevereiro de 1927. Para agravar a situação, o diário A Batalha passava por um grave crise financeira, apesar dos impressionantes 18000 escudos angariados em Novembro, após uma campanha de solidariedade. Apesar do diário apresentar contas deficitárias, a situação do Suplemento era bem diferente, apresentando um lucro de 6789$86 quando deixou de se editar.
Assim, o período de reformulação do Conselho Confederal e a reorientação da linha editorial de A Batalha tornaram a vida confederal insustentável. Os últimos meses de vida do diário e da revista revelavam isso mesmo: a direcção interina do jornal e do seu Suplemento voltou a mudar, quando Joaquim de Sousa foi substituído por Alberto Dias - à época secretário das Federações no novo Secretariado eleito - em Dezembro. Desempenhou essas funções durante a edição de apenas cinco números do Suplemento (n.ºs 159 a 163), quando deu o seu lugar ao ferroviário Mário Castelhano. Com a chegada do novo director, Carlos Maria Coelho abandonou o cargo de editor, depois de o ter exercido durante 163 números. Para acompanhar Castelhano nos derradeiros três números, foi nomeado Silvino Noronha. A nova equipa mandatada pela cúpula da CGT demorou-se pouco tempo no cargo, pois o Suplemento cessaria a publicação a partir do n.º 166, de 31 de Janeiro de 1927.
A repressão da revolta de Fevereiro de 1927 dirigiu as forças policiais para as instalações da CGT partilhadas com a redacção de A Batalha. Operários, tipógrafos e redactores foram encarcerados e o jornal foi proibido por decisão administrativa. O diário voltou a editar-se em Abril, mas o Suplemento tinha deixado de existir, apesar da vontade de Castelhano em retomar a sua publicação. A nova vida do jornal, porém, não seria longa e reduzida ficaria pelo assalto policial de 2 de Novembro ao palácio Marim-Olhão, que destruiu a tipografia, as instalações da Federação da Construção Civil e da secção editorial, apreendendo todo o acervo propagandístico e editorial da empresa. Nada mais restava à Batalha que sobreviver na clandestinidade, através do esforço e resiliência de militantes dedicados.
António Baião